Já vimos que Deus Se revela através das Escrituras, da Criação, da Igreja, e sobretudo, através de Seu Filho Jesus Cristo. Ele é a revelação definitiva de Deus.
Porém, resta-nos uma última fronteira, onde para muitos, Deus Se mantém escondido.
Não se trata dos mistérios do Cosmos, como os buracos negros, quasares, galáxias longínquas, super-novas, etc. Também não se trata do mundo subatômico, quântico.
Trata-se, antes, daqueles com quem Cristo Se identifica de maneira mui peculiar: Os pobres e excluídos da sociedade. É lá que Deus Se mantém velado, à espera de quem O busque.
Não basta encontrar Deus nas Escrituras, na Igreja, na Criação, se não nos dispusermos a buscá-lO nos pequeninos. É assim que Ele os chama.
Veja o que Jesus diz sobre isso:
“Quando o Filho do homem vier em sua glória, e todos os santos anjos com ele, então se assentará no trono da sua glória. Todas as nações se reunião diante dele, e ele apartará uns dos outros, como o pastor aparta dos bodes as ovelhas. Ele porá as ovelhas à sua direita e os bodes à sua esquerda. Então dirá o Rei aos que estiverem à sua direita: Vinde, benditos de meu Pai, possuí por herança o reino que vos está preparado desde a fundação do mundo. Pois tive fome, e me destes de comer; tive sede e me destes de beber; era forasteiro e me hospedastes; estava nu, e me visitastes; preso e fostes ver-me. E perguntarão os justos: Senhor, quando te vimos com fome e te demos de comer? Ou com sede e te demos de beber? E quando te vimos forasteiro e te hospedamos? Ou nu e te vestimos? E quando te vimos enfermo, ou preso e fomos ver-te? Ao que lhes responderão Rei: Em verdade vos digo que, quando o fizestes a um destes meus pequeninos irmãos, a mim o fizestes” (Mt.25:40).
Ao sairmos ao encontro desses pequeninos, é com Cristo que nos deparamos. Engana-se quem imagina poder encontrá-lO nas catedrais dos grandes centros urbanos. Seria como se os magos esperassem encontrar o Messias recém-nascido no palácio de Herodes. Cristo está sob as marquises dos prédios abandonados; atrás das grades das prisões públicas; nas palafitas construídas às margens das valas negras.
Não vamos simplesmente para lhes dar algo que não tenham. Vamos ao encontro de algo de que necessitamos desesperadamente.
Muitos se dedicam às obras de caridade por um desencargo de consciência. Alguns até para driblar a culpa que lhes tira o sono. Ajudar aos pobres faz com que se sintam confortáveis consigo mesmos, pertencentes a uma classe superior, ricos, qualificados. Quando deveriam, sim, sentir-se envergonhados. A pobreza denuncia nossa arrogância, nossa prepotência, a injustiça imperante no sistema do qual tiramos nossa subsistência.
Deus Se esconde de tal maneira nos pobres, que nem mesmo Seus escolhidos dão conta de reconhecerem-No. Daí a pergunta: Quando, Senhor?
Ficamos embebecidos com o espetáculo da natureza. É relativamente fácil enxergar a majestade divina num pôr-do-sol, num arco-íris, e até no canto de um passarinho. Tudo isso é muito belo, e, de fato, aponta para Deus, manifestando Seus atributos invisíveis.
Encontrá-lO nas Escrituras é uma questão de fé. Nossos olhos são desvendados pela ação do Espírito Santo, que nos faz compreender o testemunho de Deus registrado nas páginas sagradas (Pv.1:23). Porém, buscá-lO e encontrá-lO no pobre, no indefeso, no preso, no enfermo, somente através das lentes do amor.
Esta é, por assim dizer, a última fronteira na qual Deus Se mantém escondido.
Como a igreja primitiva lidou com esta verdade indiscreta e perturbadora? Ninguém melhor que Tiago, irmão do Senhor, para nos responder:
“Glorie-se o irmão de condição humilde na sua alta posição. O rico, porém, glorie-se na sua insignificância, porque ele passará como a flor da erva” (Tg.1:9-10).
O Evangelho do Reino é a mais subversiva de todas as mensagens já anunciadas entre os homens. O que os homens chamam de sabedoria, Deus chama de loucura. O que chamamos de fraqueza, Deus chama de força. O que acreditamos ser riqueza, Deus afirma que é miséria.
Seguindo a lógica do Reino, Tiago diz que o irmão de condição humilde deveria gloriar-se em sua alta posição. Não se trata de posição social, mas espiritual, uma vez que Deus o escolheu.
Paulo reverbera o mesmo ensino, quando nos conclama a conferir: “Ora, vede, irmãos, a vossa vocação, que não são muitos os sábios segundo a carne, nem muitos os poderosos, nem muitos os nobres que são chamados. Mas Deus escolheu as coisas loucas deste mundo para confundir as sábias; Deus escolheu as coisas fracas deste mundo para confundir as fortes. Deus escolheu as coisas vis deste mundo, e as desprezíveis, e as que não são, para aniquilar as que são; para que ninguém se glorie perante ele” (1 Co.1:26-29).
Gloriar-se em sua condição humilde é o mesmo que gloriar-se em Deus, em vez de em si mesmo e em seus recursos naturais.
Tiago não faz média com os ricos do seu tempo. Pelo contrário, ele os confronta. “O rico, porém, glorie-se na sua insignificância” (Tg.1:10a). Que golpe na arrogância de quem se acha importante. Que insulto à sua vaidade!
Recentemente, uma pesquisa feita pelo instituto britânico New Economics Foundation revelou que pessoas que trabalham fazendo faxina em hospitais têm mais valor para a sociedade do que os funcionários de alto escalão de um banco. Enquanto o faxineiro gera cerca de R$ 30 de valor para cada R$ 3 que recebe, o bancário com salário anual a partir de R$ 1,5 milhão) é um peso para a sociedade, custando cerca de R$ 21 para cada R$ 3 que ganham. O faxineiro rende dez vez o que ganha. O bancário dá prejuízo de sete vezes o que ganha.
Como uma igreja em nossos dias receberia o executivo de um banco? E como receberia um faxineiro? Seriam tratados de igual maneira?
Infelizmente, nos adequamos ao espírito deste mundo, e abandonamos a mensagem subversiva do reino.
Muitas igrejas têm se especializado em alcançar a classe média alta, desprezando completamente as classes mais baixas e necessitadas. Este se tornou o sonho de consumo de praticamente todos os ministérios hoje em dia. Todos querem as classes A e B. Ninguém quer as classes D e E.
As grandes denominações querem ter Sedes nos bairros mais abastados da cidade. Enquanto isso, as favelas são relegadas a segundo plano. Quando surge alguma igreja nelas, geralmente é por iniciativa dos próprios moradores. Alguns pastores até investem em igrejas nestas comunidades carentes, para evitar que seus moradores desçam para o asfalto e freqüentem seus templos luxuosos, trazendo incômodo aos seus membros mais distintos.
Este não é um problema recente. Tiago teve que enfrentá-lo nos dias da igreja primitiva.
Veja o que ele diz:
“Meus irmãos, como crentes em nosso Senhor Jesus Cristo, Senhor da glória, não façais acepção de pessoas. Por exemplo: Se na vossa reunião entrar algum homem com anel de ouro no dedo, e com trajes de luxo, e entrar também algum pobre andrajoso, e atentardes para o que tem os trajes de luxo, e lhe disserdes: Assenta-te aqui em lugar de honra, e disserdes ao pobre: Fica aí em pé, ou assenta-te abaixo do estrado dos meus pés, não fazeis distinção entre vós mesmos, e não vos tornais juízes movidos de maus pensamentos? Ouvi, meus amados irmãos. Não escolheu Deus aos que são pobres aos olhos do mundo para serem ricos na fé e herdeiros do reino que prometeu aos que o amam? Mas vós desonrastes o pobre” (Tg.2:1-6a).
Parece que Tiago estava falando diretamente com os pastores de nossos dias, alguns dos quais chegam a destacar alguém para o ministério local por causa de suas vultuosas contribuições. Quantos diáconos precoces? Presbíteros despreparados, que mal se converteram, e logo foram içados a uma posição na igreja. Já o pobre, o que não usa roupas de grifes famosas, não só são ignorados, como às vezes são até rechaçados. Há quem até sugira: Procure outra igreja, onde as pessoas sejam do seu nível social. Aqui não é pra você.
É lamentável ter que admitir isso. Mas é a mais pura verdade. As pessoas valem o quanto pe$am.
Desonrar o pobre é desonrar Àquele que o criou, e o escolheu para ser Seu esconderijo.
É bom que se diga que Deus não tem nada contra os ricos. Deus igualmente os criou. O que ofende a Deus é o fato de muitos se estribarem em suas riquezas materiais.
A única maneira do rico agradar a Deus é reconhecer seu estado de miséria espiritual. Ou no dizer de Tiago, sua “insignificância”. Reconhecer que todo o seu dinheiro é incapaz de garantir-lhe uma vida de significado e propósito.
Assim como há ricos que são “pobres de espírito”, há pobres que são arrogantes, e que tentam passar uma imagem de abastança. Como diria o adágio: Comem sardinha, arrotam caviar.
O sábio Salomão os denuncia:
“Uns se dizem ricos sem ter nada outros se dizem pobres, tendo grandes riquezas” (Pv.13:7).
Pobreza de espírito é manter-se na total dependência de Deus. Jamais jactar-se em seus próprios recursos, sejam eles parcos ou abundantes.
Se a Igreja almejar ser canal através do qual Deus Se revele ao mundo, ela terá que admitir sua pobreza. E isso equivale a tomar a contramão da postura adotada pela igreja de Laodicéia.
Leia atentamente o que Cristo diz aos laodicenses:
“Dizes: Rico sou, e estou enriquecido, e de nada tenho falta. Mas não sabes que és um coitado, e miserável, e pobre, e cego, e nu. Aconselho-te que de mim compres ouro refinado no fogo, para que te enriqueças; e vestes brancas para que te vistas, e não seja manifesta a vergonha da tua nudez; e colírio, para ungires os teus olhos, a fim de que vejas” (Ap.3:17-18).
De acordo com a doutrina da confissão positiva, tão apregoada em nossos dias, a igreja de Laodicéia estava corretíssima em fazer tais “declarações de fé”. Entretanto, Cristo reprovou sua postura arrogante e auto-suficiente. Se fosse verdade que palavras positivas seriam capazes de atrair prosperidade para quem as proferisse, as Escrituras não diriam: “Em todo trabalho há proveito, mas meras palavras só conduzem à pobreza” (Pv.14:23).
Cristo chega a usar de sarcasmo com aquela igreja prepotente. Era como se Ele dissesse: Já que vocês são tão ricos, prósperos, auto-suficientes, vou lhes dar um conselho: Usem seus recursos para adquirir o que vocês ainda não têm: A verdadeira riqueza.
Paulo usa sarcasmo semelhante ao escrever para outra igreja que achava não ter falta de coisa alguma: Corinto.
“Pois quem tem faz diferente? E que tens tu que não tenhas recebido? E, se o recebeste, por que te glorias, como se não o houveras recebido? Já estais fartos! Já estais ricos! Sem nós reinais! E oxalá reinásseis para que também nós reinemos convosco! Pois tenho para mim que Deus a nós, apóstolos, nos pôs por últimos, como condenados à morte. Somos feitos espetáculos ao mundo, aos anjos e aos homens. Nós somos loucos por amor de Cristo, e vós sábios em Cristo! Nós fracos, mas vós dois fortes! Vós sois ilustres, nós desprezíveis (...) Até ao presente temos chegado a ser como o lixo deste mundo, e como a escória de todos” (1 Co.4:7-10,13b).
Qual o auto-intitulado apóstolo de nossos dias que pode apresentar-nos as mesmas credenciais? Se lermos os versos que omiti (11-12), veremos o quanto Paulo sofreu pela causa do Reino.
Precisamos descer de nossos pedestais ministeriais e admitir nossa profunda pobreza. E quando a admitimos, já não nos ofendemos quando Deus usa o mais humildes dentre os homens para nos abençoar com um prato de comida, ou qualquer outra provisão. Pergunte a Elias como ele se sentiu quando percebeu que o canal escolhido por Deus para alimentá-lo era uma viúva pobre de Sarepta.
Jesus disse que devemos aprender d’Ele que é manso e humilde de coração. Manso para repartir seu próprio pão, humilde para receber sem sentir-se constrangido. A palavra traduzida por “manso” tem a conotação de “desapegado”. Manso é aquele que já não faz questão de coisa alguma. Aquele que vê sua túnica sendo repartida entre os soldados romanos, e não a reclama para si. Já o ser humilde significa está sempre pronto a receber, mesmo quando o canal usado por Deus é de condição mais humilde que a nossa.
O chamado de Deus para a igreja deste tempo é um chamado à pobreza. Não estou falando de um voto de pobreza semelhante ao feito por monges franciscanos. Mas de uma pobreza em que admitimos que nossa suficiência vem do Senhor.
Aí poderemos nos apresentar como Paulo: “Pobres, mas enriquecendo a muitos; nada tendo, mas possuindo tudo” (2 Co.6:10).
O que constrangerá o mundo quanto ao amor de Deus não serão testemunhos de pessoas que se enriqueceram depois que abraçaram a fé em Jesus, e sim de pessoas que abriram mão de tudo por amor ao seu semelhante.
Hermes C. Fernandes
Pensador, ativista, conferencista, autor, doutor em Escatologia e em Ciência da Religião, presidente do colégio episcopal da REINA-Igreja do Futuro, bispo consagrado pela International Christian Communion (comunhão que reúne bispos de tradição anglicana/episcopal dos cinco continentes), fundador do Projeto Social Tesouro Escondido, e do Instituto Defensores do Futuro.
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