segunda-feira, 2 de maio de 2011

Viciados em apelo


Por Matheus Soares

A origem do apelo após os sermões se dá basicamente no início do século 19 com os encontros campais promovidos principalmente pelos metodistas, tais encontros duravam alguns dias e serviam para a evangelização dos colonos rurais. No início a ida ao altar se dava de forma quase que espontânea, pois havia uma vontade enorme dos pecadores em se aproximar do altar de Deus. Embora tais práticas tivessem persistido de forma mais liturgia é com Charles Finney que o apelo se tornou aquilo que mais se parece com o que temos hoje, lutando contra o pensamento comum dos próprios presbiterianos, Finney achava de extrema importância esse movimento corporal para que as pessoas tomassem posição perante a Deus e em fuga do pecado. Foi muito criticado porque sua doutrina fugia dos preceitos reformados e se aproximava do livre-arbítrio, colocando nas mãos do pecador a decisão de se aproximar de Deus. Os grandes evangelistas contemporâneos utilizam-se largamente dessa prática, sendo um modelo hoje em dia os apelos de Billy Graham.*

Como uma fórmula bem sucedida o apelo hoje em dia é usado em doses cavalares, principalmente pelas igrejas pentecostais (e obviamente pelas neo também), onde não existe culto público sem apelo. Porém como tudo que é bem sucedido no meio evangélico e passa a ser regra de fé e prática, também sofre distorções, e a pior distorção feita com o apelo é que ele já não mais serve para desafiar pecadores à encontrar a Cristo, mas ele é usado para qualquer tipo de pregação, parecendo que tudo aquilo que se fala no púlpito merece um desafio ao crente se levantar da sua cadeira e "tomar uma posição perante Deus". Será que Deus apenas vê nossas posições se ficamos de pé, ou Ele não é o Deus que a bíblia afirma que sonda os corações e os pensamentos?

As desculpas para se promover um apelo são as mais variadas possíveis, algumas delas:

- "Senti de Deus..." Pronto, uma frase que não deixa espaços para argumentações ou questionamentos, em outras palavras a pessoa está dizendo que o relacionamento dela com Deus é tão superior ao seu e que ela estava tão em sintonia com o Divino que percebeu uma instrução especial, a qual você reles mortal não teve.

- "As pessoas precisam ser desafiadas." Essa é outra pinçada diretamente dos seminários de auto-ajuda, não tem absolutamente nada a ver com a Bíblia, tem a ver com palestras motivacionais e jogos psicológicos. Isto é, se a pessoa tomar coragem de levantar-se e ir a frente ela será definitivamente capaz de vencer seus problemas e desafios, ah é mesmo, com a ajuda de Deus.

- "As pessoas precisam receber uma oração e imposição de mãos." Uma das mais clichês, puxadas lá do Antigo Testamento onde os sacerdotes detinham todo o poder, remetendo até os patriarcas que tinham o poder de amaldiçoar ou abençoar. Verdade seja dita, tem gente que não fica na igreja se não receber uma mão na cabeça e uma oração especial, e os pastores atendem a essa demanda. Obviamente porque dá trabalho fazer isso no dia a dia, visitar os irmãos, orar uns pelos outros... Mais fácil fazer no atacado.

- "A mensagem que eu preguei exige uma decisão." A fé que se prega e que se vive hoje em dia é tão fraca e sem graça que a pessoa não consegue tomar decisões e chegar ao conhecimento no dia-a-dia, precisa sempre de um cabresto mostrando qual direção tomar. E muitos pastores amam ter as pessoas em suas mãos fazendo exatamente aquilo que eles mandam ao invés de discipular e ensinar pessoas que conheçam a Palavra de Deus e possam tomar decisões pautadas nisso no seu cotidiano. Ensinar é difícil.

- "Várias pessoas mudam de vida e atitudes nos apelos" Não discordo dessa afirmação, mas que fique bem claro que Deus usa a igreja APESAR da igreja. Deus não vai deixar de ouvir uma pessoa porque seu líder a está manipulando, Ele é amor. Aqui vale lembrar da máxima "Os fins justificam os meios", e do evangelho de resultados em que vivemos, se funciona é porque é de Deus. O islã é a religião que mais cresce no mundo...

Poderia aqui enumerar outras justificativas que os líderes usam, mas simplesmente é uma perda de tempo tão grande quanto os vários minutos em que somos submetidos todos os cultos em cada um dos apelos, porque por incrível que deveria parecer, há cultos com mais de um apelo, alguns chegando a três ou quatro!

A verdade nua e crua é que o apelo tornou-se uma nova velha forma de santificar o altar e o sacerdote, conceder poder aos líderes ministeriais de conceder bençãos à miserável platéia. O apelo tornou-se uma forma mesquinha de controle de audiência, porque pregação boa é aquela que todo mundo chora no apelo e mais da metade da igreja vai à frente. Não se pode mais ter um culto em que não exista um momento de petições perante Deus, onde as pessoas vão a frente não para se livrar definitivamente dos seus pecados, mas para suplicar bençãos de Deus, com uma oração "forte" daquele que ministra. Deus não é mais àquele que conhece minhas palavras antes que elas cheguem até a boca? Deus não é mais àquele que fala através do Espírito Santo através de gemidos inexprimíveis? Deus precisa que eu caminhe até um degrau abaixo de um pedaço de madeira ou acrílico para me abençoar?

Eu não sou contra os apelos, acredito que existam momentos em que isso é importante para a decisão de uma pessoa, e principalmente quando ela confessa com sua boca que Jesus Cristo ressuscitou dentre os mortos e declara ser pecadoras. Sou contra a uma geração inteira de líderes que enfraquecem os cristãos tornando-os simplesmente viciados em apelos, pessoas incapazes de dobrar seus joelhos na beira de suas camas sabendo que o mesmo Deus que ouve suas orações nos cultos está ali, vivendo em seu verdadeiro templo, que somos nós, e não móveis de alvenaria ou bancos de um edifício. Sou completamente contra esse tipo de mimo, uma oraçãozinha aqui, um óleo ali e então tudo bem.

Rogo para que os pastores de uma vez por todas se disponham a compartilhar o sacerdócio universal, transformando crentes em guerreiros de Deus, pessoas capazes de pelejar contra as portas do inferno e conhecedores das profundezas do conhecimento de Deus.

Eles acham que a pessoa vence um desafio levantando-se do seu lugar e indo até o altar para desfrutar de uma mudança instantânea, mas na verdade hoje o desafio é não ceder a esse tipo de apelo e confiar na ação contínua e transformadora do Espírito Santo de Deus.

Vi no Blog do PC@maral e estou compartilhando.

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