Por Zé Luís
Quando criança, nas brincadeiras de rua com os outros meninos, pega-pega, esconde-esconde, pelada, onde o único gol da partida era o pobre portão de uma garagem de algum vizinho chato que não ficava em casa... sempre havia aquele irmão menor, aquele chatinho filhinho-de-papai que não entendia as regras, mas por insistência de seus genitores, querendo integrá-lo entre os outros garotos da rua, acabávamos inserindo-o na brincadeira, embora ninguém contasse realmente com a efetividade das participações desses componentes. Não se pode levar a sério um café-com-leite.
Quem não teve que parar uma partida ou outra para que o café-com-leite viesse e chutasse uma bola no gol, sem goleiro, e assim, conseguisse marcar seu tento, debaixo do olhar compassivo dos outros garotos que aceitavam aquilo para se livrar do problema.
O “CCL” - é assim que o chamaremos a partir de agora – parece não se importar com a ridícula situação de não representar nada para a competição ou não ser digno de ter o respeito daqueles que estão juntos, suando para conseguir seu espaço. El quer estar inserido a qualquer custo, mesmo sem representar absolutamente nada, isso quando não atrapalha.
Mesmo hoje, boas décadas depois, ainda os vejo, personificados em tantos lugares: são aqueles funcionários que, por terem um parente de alta patente numa empresa, conseguiram um cargo onde qualquer mortal comum teria que mover terras e mares para conseguir. Ele, normalmente, acaba tendo o trabalho feito por outro, um fantasma desconhecido, mas que todos sabem que jamais poderá entrar de férias ou mesmo doente. O CCL não conhece serviço, e todos seus colegas sabem bem, inclusive o patrão que o contratou...mas você sabe, deixa pra lá: ele é CCL.
Na escola ele são os que fazem trabalhos em grupo, e sua única contribuição é assinar junto do pessoal que botou a mão na massa e produziu a tarefa. Mais cedo ou tarde, durante o curso, o CCL fingirá que não quer passar a vida assim, mostrará certa intenção – nada convincente - em fazer algo efetivamente válido, mas todos sabem - os professores, os colegas de classe - que não dá para levar a sério, ele é CCL: está ali apenas para completar seus estudos, por um outro propósito misterioso que ninguém jamais consegue saber qual. Quem sabe em um futuro incerto, onde ele deixará de pegar carona no trabalho alheio e pensar na árdua tarefa de fazer as coisas por si mesmo?
Como músicos, se contentam com meia dúzia de acordes, dois ou três compassos básicos, atrapalham mais do que ajudam, tornam qualquer ensaio improdutivo. Não são músicos, mas como tem algum familiar ali, ou teve sua importância em algum momento da formação de uma banda – que todos sabem que não vai decolar mesmo – aceitam-no assim mesmo. O duro é quando o CCL cisma de querer se destacar, cantar mais alto que o solo, ou fazer aquela apresentação de guitarra dentro do que se propôs a aprender, há anos (algo que o satisfez, quando esboçou um esforço de aprendizado mediano, quando tentou ingressar numa escola de bairro).
Se estão nos esportes, participam para fazer volume: mais um a ser vencido, nem liga, são medianos, desculpem... medíocres mesmo, e vivem bem assim. Faltam nos treinamentos, não se preparam adequadamente, mas vivem sonhando com medalhas, com reconhecimento, com lugares nos podiuns conquistados pela “equipe”.
Como crentes, são terríveis. Os CCL são conhecidos como “Crente 6 horas”: é só ter um culto de oração que o bilhetinho com pedido chega: “Cêis ora pela minha mãe? Cêis ora pelo emprego?”... Não entendo qual o problema com os joelhos deles, já que quando precisamos falar com Deus, basta-nos dobrá-los e entrar em contato pessoalmente.
O CCL na igreja quer fazer parte, mas não pelo o usual – e as vezes, tortuoso, é verdade – caminho indicado pelo Dono da igreja, aquele onde se busca intimidade com Ele para conseguir ouvir Dele onde - e quando, e como - é nosso lugar no Reino. Não: CCL que é CCL faz amizade com a liderança, fala de seu currículo com o pastor, se mostra prestativo para pregar, mesmo não tendo muita noção da Bíblia (claro que não é muito dado a estudos bíblicos, prefere as pregações prontas). Mas não se iluda: logo abandonará essas convicções iniciais, vendo que algo está errado em seus esforços: mal sabe que as coisas dentro da igreja funcionam de forma diferente, que se conseguem cargos, mas não ministérios. Que se engana membros, mas não ovelhas.
Quantos CCL acusarão outros por seus fracassos, sem jamais, em momento algum, parar para ouvir o sussurro gritante do Espírito? Claro: se ouvisse o que tinha que ouvir, e além disso, obedecesse, não seria um CCL... não mais.
Creio que essa é a única forma efetiva de deixar de ser um café-com-leite. Na verdade, acredito piamente que aprender a ouvir essa voz, e obedecê-la, é a única solução para qualquer vida.
Zé Luís é o editor do blog Cristão Confuso, que de confuso não tem nada... E mandou bem nesse texto extremamente lúcido.